Marxismo e Pentecostalismo


É verdade, a conversão dos marxistas não iria dar-se a partir de nada que surgiu do Concílio Vaticano II e nem a partir de nada que surgiu da Reforma Protestante, mas a partir de um movimento religioso, que por ter se manifestado à parte do Oficial e por ter se manifestado no meio dos pobres, ainda hoje continua tabu entre o cristianismo oficial e é pouco valorizado ou até mesmo desconhecido pelo universo acadêmico-intelectual. Adamir Gerson está falando do movimento pentecostal, que nasceu no ano de 1906 na cidade norte-americano de Los Angeles, em um casarão que metodistas construíram para ser igreja e que se achava abandonado, e tudo se dando na mediação de um pastor negro iletrado filho de ex-escravos por nome William Joseph Seymour. Que não por acaso nasceu no mesmo ano de Lênin, 1870, e viveu praticamente o mesmo tempo de Lênin, 52 anos (Lênin viveu quatro meses mais que Seymour). Aquele lampejo da paixão pelo sexo oposto, que brota no coração do jovem pela jovem que tocou seu coração, estará se manifestando no coração marxista quando ele olhar retrospectiva para aquele ano de 1906, para tudo o que se desenrolava naquele casarão situado numa rua que é conhecida por todo pentecostal, Azusa. Especialmente para aquele momento em que, em um país dominado pela segregação racial e social, então brancos e negros, ricos e pobres, asiáticos e mexicanos, lavadeiras negras e patroas brancas, se abraçavam e se reconheciam iguais perante Deus. Deveras, era que neste momento estava se dando o derramar de Deus do Socialismo Espiritual, então ele dando sequência a uma obra que começara a bem pouco, três anos antes, quando então na cidade de Londres, distante dali, do outro lado do Atlântico, derramara o Socialismo Material. Socialismo Material que ele derramara em Londres e Socialismo Espiritual que ele derramara em Los Angeles, mas que um dia, na consumação dos tempos, então ele iria trazer um ao outro, com socialismo espiritual e socialismo material se reconhecendo osso do mesmo osso e carne da mesma carne, um só espírito. E seria neste momento, e somente neste momento, que o reino da liberdade concreta, em que cada um tem segundo as suas necessidades, não as necessidades ditadas por esta ou aquela ideologia, mas por Deus no nascimento de cada um, estaria então começando a ser construído, pois que, então, fora lançada a sua verdadeira fundações. (O Reino da Liberdade Concreta não nasce tendo como fundação o material, que reserva ao espiritual a categoria de superestrutura, como é ensinado no mundo acadêmico-intelectual, mas nasce no exato momento em que o material e o espiritual são colocados em equilíbrio como fundamentos. Pois que o Reino da Liberdade Concreta é o nascimento da vida, e a vida só pode nascer da junção de dois fundamentos, gameta feminino e gameta masculino) (Será somente quando olharem para os pentecostais, com o olhar de uma nova sociologia (logicamente que também com o olhar de uma nova epistemologia, de uma nova psicologia, de uma nova gnosiologia e etc, porque tudo está mudando de estação), e verem que eles na verdade praticam um socialismo de corte espiritual, é que os marxistas se reconhecerão a si mesmos, que são na verdade o seu outro lado, que os completam e são completados por eles. Conscientizarão de que não são depositários de um socialismo substantivado senão que adjetivado. E mais, que o socialismo substantivado nasce no exato momento em que os socialismos adjetivados, material (Marx) e espiritual (Paulo) são unificados em corpo único. É o aparecimento do Reino de Deus na terra, dirão os cristãos, mas os marxistas dirão, para aquela realidade única: é o aparecimento do Comunismo! Foi exatamente isto que aconteceu com Comandante Flávio, um jovem marxista idealista de Curitiba que hoje atua em Rondônia ao lado do Movimento Camponês Corumbiara, ajudando os sem-terra a terem um pedaço de terra. Tendo convivido com um ano com pentecostais, então Comandante Flávio deixou escapar: eles praticam um socialismo primordial! O que ele chama de primordial, na nomenclatura científica do socialismo celestial é chamado simplesmente de Socialismo Espiritual, termo que se contrapõe ao Socialismo Material (no sentido em que óvulo se contrapõe ao espermatozóide).


Prosseguindo. Ora, Adamir Gerson falou qualquer coisa em que acabou ligando os acontecimentos que deram origem ao moderno movimento da esquerda mundial e ao moderno movimento pentecostal. E é certo que não só marxistas como também pentecostais ficaram sem entender, pois nunca ouviram dizer, e desconheciam por completo, que pudesse haver relação entre eles, como partes de um mesmo e único processo. (Não nos esquecendo do relato do Gênesis segundo o qual foi no momento em que Deus trouxe a mulher ao homem e este foi tocado por ela que lhe foi manifesto a consciência da distinção sexual, reconhecendo nela o seu complemento e a parte que lhe faltava).


É verdade, o movimento revolucionário da esquerda mundial, que nasceu no ano de 1903 em Londres, quando o movimento bolchevique, que se gestara no ventre moderado menchevique, fizera então o seu nascimento – na histórica votação que deu maioria a Lênin – e o movimento pentecostal, que nasceu três anos depois, em Los Angeles, depois de ser gestado no ventre moderado metodista, ora, apesar de que nenhum homem em cima da terra veio saber, eram sim partes de um mesmo e único processo, o da redenção da humanidade. Mas que primeiro iria passar pelo processo de libertação dos pobres (e aí se revela a importância de Leonardo Boff e a não-importância do Clodovis Boff de 2007).


Mas, como em Deus a libertação se desloca dos pobres para a humanidade (em Hegel o Absoluto redime primeiro a si próprio para depois redimir a inteira humanidade, com Marx concordando, apenas que no lugar do termo Absoluto colocando o termo Proletariado (Mas em Adamir Gerson surge reconciliação entre o Absoluto de Hegel e o Absoluto de Marx, assim como estão em Mateus 25.40), ora, a verdade é que quando a libertação de Deus estivesse se deslocando dos pobres para a humanidade, neste momento Deus iria fazer um retorno tanto a John Wesley como a Plekhanov. Mas este John Wesley e este Plekhanov seriam novos, novíssimos, conduzidos pelas mãos dos pobres que saíram dos lombos de Seymour, naquele ano de 1906, e dos lombos de Lênin, naquele ano de 1903. Pois quê, quando Deus liberta os pobres é para forjá-los instrumentos de libertação da inteira humanidade – e neste momento se revela a não-importância do Leonardo Boff de 2011, ainda preso ao parcialismo marxista (salvo o seu amor e a sua luta na defesa do Planeta ameaçado, embora saibamos que a luta conseqüente na sua defesa tenha de se dar muito mais no campo político e não fora dele, pois a luta ecológica expõe o problema, mas a sua solução está na luta e decisões políticas) (Talvez tenha sido esta passagem que frei Clodovis Boff tenha captado intuitivamente, e, todavia, não soube expressar, se perdendo no significado das Palavras (do chamado) e na dialeticidade do processo. Mas com certeza agora irá se encontrar, pois, deveras, tem chegado o tempo em que, segundo o profeta Isaías, TODOS SERIAM PESSOAS ENSINADAS POR JAVÉ) (Ora, o movimento pentecostal para nascer teve de percorrer certo calvário, no seu parto final. William Joseph Seymour, depois que ganhou autonomia frente a Charles Fox Parham, como o Escolhido de Deus, ao estar começando a caminhada das boas novas entre a irmandade de uma igreja Holiness (da Santidade) que havia em Los Angeles, por não concordarem com o seu Ensino, expulsaram-no. No entanto, acolhido por uma família desta igreja em sua casa, os Asbery, logo a casa de Richard Asbery se tornara pequena demais. Pois não tardou e o carisma de Seymour estava atraindo centenas, que se reuniam todas as noites naquela casa, com a imensa maioria tendo de ficar do lado de fora, interrompendo a rua. A tal ponto que conta um historiador que acorria tanta gente para a casa de Richard Asbey que certa noite foi tanto barulho e tanto gritar nos dons de línguas que a casa quase desabou. Foi então que descobriram um antigo casarão que fora construído como uma igreja metodista africana, e que, no entanto, ela fora embora com o lugar sendo ocupado por atividades comerciais. E naquele momento específico era estábulo para animais. Foi neste casarão que um dia foi igreja metodista, e que se achava abandonado, era mesmo um gueto, que finalmente se deu o parto Pentecostal, hoje cerca de quatrocentos milhões ao redor do mundo, quarenta milhões no Brasil. Mas, não podemos dizer que este parto final do Pentecostalismo foi de certa forma uma repetição do parto final do Bolchevismo, que se dera três anos antes? De fato, partidários de Lênin e de Plekhanov escolheram Bruxelas para realizarem o Segundo Encontro do Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), em julho de 1903, ocasião em que, através da maioria, iriam decidir os rumos da revolução na Rússia. Mas, em Bruxelas, as discussões entre os partidários de Lênin e de Plekhanov tornaram-se tão acaloradas que a vizinhança, não suportando mais tanto barulho no casarão, que fora enfeitado de bandeirinhas vermelhas, decidiu chamar a polícia. Que nem preciso fora, pois a polícia quando soube de sua presença na cidade começou rondar o local. Expulsos, embarcaram rumo a Londres. E contam os historiadores que as discussões entre eles prosseguiram com tal intensidade na viagem que quem olhava de longe tinha a impressão de que o navio parecia estar sendo sacudido por fortes ondas. E finalmente em Londres, no lugar onde Marx e Engels meio séculos antes tinham lançado o Manifesto Comunista, então o movimento bolchevique fez o seu nascimento, se constituindo a parte, independente, um movimento com identidade própria, assim como três anos depois tal foi acontecer com o movimento pentecostal ao se desligar do protestantismo, onde fora gestado, se constituindo a parte, um movimento independente, com identidade própria.