segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Lúcio II Parte






Lúcio Junior Espírito Santo
. Um dos erros da Teologia da Libertação apontado por frei Clodovis Boff foi que ela, ao ter colocado o pobre no lugar de Deus como fundamento teológico, por deriva acabou cometendo um erro capital qual seja de ter instrumentalizado a fé para fins políticos de libertação. Estou abordando esta questão porque no meu entendimento, primeiro, não há fé que seja vazia de uma política, segundo, o passado histórico e quiçá presente mostrou todas as teologias explícito ou implícito engajadas politicamente, e terceiro, no meu entendimento nisto está uma dose de hipocrisia muito grande, pois o que há de fato é que querem tirar a Teologia de estar a serviço da causa libertadora para estar a serviço da causa não libertadora.

Adamir Gerson. Concordo plenamente com o seu juízo. Como não existe teologia neutra, esvaziada de uma ação política, ao impedir a Teologia de ser braço religioso do Marxismo certamente que a irão colocar como braço religioso do anticomunismo. Ela deixará de estar a serviço da causa socialista para estar a serviço da causa não socialista. Pouco importa se é a serviço da causa não socialista exacerbada, capitalismo selvagem, como eles chamam, ou, entre aspas, democrática.

Lúcio Junior Espírito Santo. Porque você aspou a palavra democracia?

Adamir Gerson. Porque estes mesmos que querem tirar a Teologia de ser braço religioso da libertação colocam a democracia como contraponto aos dois extremos, o socialismo e o capitalismo. Se como Deus não estivesse em nenhum destes extremos, mas na democracia. Ou, então, se como Deus não aprovasse estar nos dois extremos, mas aprovaria sim estar na democracia. Ora, a democracia não representa em hipótese alguma uma terceira via, um meio termo, que garante o social do socialismo e as liberdades individuais do capitalismo. Na democracia as cartas já estão marcadas aprioristicamente, quem irá vencer e quem irá perder, porque tudo está exposto e é decidido pelo mesmo vício.


Lúcio Junior Espírito Santo. Assisti na TV Cultura uma missa celebrada em Aparecida na qual o Bispo celebrante teceu críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo; dizendo ele que era preciso se encontrar uma terceira via que conciliasse a liberdade que há no capitalismo com a justiça social do socialismo. Ele foi claro de que a razão da queda do comunismo foi que nele não havia liberdade para o indivíduo; que tudo era decidido pelo Estado sendo o indivíduo coadjuvante e não sujeito histórico. Daí ele propugnar por uma terceira via que conciliasse as liberdades individuas que há no capitalismo com justiça social que há no socialismo.

Adamir Gerson. O que é liberdade individual? O que é liberdade condicionada pelo Estado? Os indivíduos no socialismo não tinham liberdade, mas agiam em função das necessidades do Estado? Ora, liberdade é algo puramente pessoal. Mesmo que no meio condicionante, a liberdade é algo pessoal. O pesquisador age pelos seus próprios impulsos. O compositor e o criador de artes agem pelos seus próprios impulsos. O contador de piada age pelos seus próprios impulsos. A criação emana da subjetividade. Mas irão dizer: agem pelos seus próprios impulsos, mas condicionados pela ideologia do Estado e pelas suas necessidades.
Mas isto acontece em todos os sistemas seja ele qual for. A criatividade é teleguiada em todos os sistemas. Um indivíduo que monta um comércio ele está condicionado pela necessidade dos consumidores. Então basicamente é que a liberdade no socialismo está condicionada pela necessidade coletiva, ao passo que no capitalismo pelo dinheiro. O indivíduo age em função do lucro, em função daquilo que lhe pode render dinheiro. E como as necessidades coletivas são infinitas, o Estado não as prescreve, mas atende as suas demandas. Logo a liberdade individual no socialismo é um fato concreto. Não há nada que impeça a liberdade individual, do indivíduo extravasar os seus dons e sentimentos. O que acontece de fato é que no socialismo a liberdade foi expurgada do pecado original e se tornou cristã de fato, para o próximo, para ajudar o próximo. A sua satisfação e recompensa está em ver o próximo feliz, ao passo que no capitalismo a sua satisfação e recompensa está no acumulo do capital com o qual poderá usufruir de tudo que a mão alcança.

Lúcio Junior Espírito Santo. Você disse muito bem e concordo que no socialismo a liberdade é para todos, todos são chamados e tem a oportunidade de manifestar os seus dons e os seus sentimentos e os colocar para usufruto de todos. Mas, faço a pergunta: isto ocorre no capitalismo? Nele todos manifestam os seus dons e os seus sentimentos? Eu diria que não. No capitalismo somente aqueles que têm o poder econômico são livres para manifestar os seus dons e os seus sentimentos. Quem não tem poder econômico acaba tendo os seus dons e os seus sentimentos sufocados e impedidos de se manifestarem.

Adamir Gerson. O que havia dito, o que difere a liberdade no socialismo e no capitalismo é que no socialismo a liberdade foi liberta do pecado original, ao passo que no capitalismo ela se acha presa a ele e na sua dependência. Então este Bispo celebrante da missa precisa rever seus conceitos e modos de juízo porque em última instância, fornecendo a ele um juízo justo, para ele liberdade é consubstancial à propriedade. Ao ter. Ao possuir. Porque se cria uma terceira via e para esta se leva a estrutura econômica do socialismo automaticamente se leva também a sua forma de liberdade. A estrutura econômica do socialismo não permite espaço para a liberdade conforme está no capitalismo. E como a estrutura econômica do socialismo é inseparável da sua forma de liberdade, uma terceira via que não tenha a liberdade que se acha no socialismo, mas tenha a liberdade que se acha no capitalismo, logo esta terceira via também não tem a estrutura econômica do socialismo. Se não tem a estrutura econômica do socialismo logo esta terceira via é literalmente o capitalismo. Nela não há nada ligado ao socialismo. De modo que não se pode falar em terceira via.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando peremptoriamente que não existe espaço no mundo da política e da economia para uma terceira via que concilie socialismo e capitalismo? Mas, pessoas que propugnam por uma conciliação entre os dois sistemas dão como exemplo prático de sua exeqüibilidade os regimes nórdicos. Eles seriam exemplo de como é bem sucedido uma experiência assim, entre os dois sistemas antagônicos.

Adamir Gerson. Eu diria que realmente não existe este espaço. A rigor tal está implícito nas palavras do Bispo celebrante. Submetendo suas palavras ao rigor hermenêutico, e as disjunções que há nas suas palavras se tornando lógicas, coerentes, se perceberá isto. No que diz respeito pessoas defenderem uma terceira via e darem como exemplo de sua exequibilidade os regimes nórdicos, inegavelmente nestes países se conseguiu aquilo que é tido bem próximo de uma terceira via. O bem estar social destes países corresponde ao bem estar social que há no socialismo. O capitalismo nestes países age em função deste bem estar social. Está condicionado por ele. Mas, definitivamente, a questão é outra. A luta do socialismo contra o capitalismo não se restringe só ao material. Não pertence só a este reducionismo. De fato, se luta pelo socialismo para fugir da miséria que há no capitalismo, e os regimes nórdicos mostraram que é possível um capitalismo que gere bem-estar social, basta que se ponha freio à ganância, ou através dos mecanismos de Estado ou através de uma Ética que se impõe (doutrina social da Igreja), ora, não há porque lutar contra ele. Os motivos da sua recusa foram eliminados.
Não, definitivamente a luta do socialismo é bem mais. Não é apenas para a satisfação do estômago, mas, também, do coração. A sua luta é para a criação de um novo homem, de uma nova sociedade em que nela não há indivíduos usufruindo privilégios que outros não gozam. Uma sociedade novíssima onde ninguém tem o produto do seu trabalho usufruído por quem não o produziu. O indivíduo produz para além de suas necessidades gerando excedente? Mas este excedente não pode ser apropriado por quem não o produziu, mas ajuntado a todos os outros excedentes e coletivamente se decidindo a sua aplicação.  É como os excedentes das águas dos rios que levados pelo vento são distribuídos para o bem de todos em forma de chuva.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando que uma terceira via é capaz de satisfazer o trabalhador, não, porém, a pessoa humana do trabalhador que não se reduz só ao material, mas transcende-o, de modo que somente a libertação para satisfazer a sua alma? Enquanto a libertação não vem nada deixa sua alma aquietada, nem mesmo uma terceira via cuja economia capitalista gera um bem estar social como o alcançado no socialismo?

Adamir Gerson. Ora, é um fato que o socialismo tem aspectos e ingredientes materialistas, mas a sua essência sublime, o que mantém a sua perenidade, a sua eternidade, com certeza pertence ao campo do espiritualismo. Os marxistas precisam compreender isto; que a luta pelo material é um meio e não um fim. Pertence ao imediato. Ao urgente, inadiável. Mas satisfeito o material é então que de fato se manifesta a necessidade da construção do socialismo. E é neste momento que surge um espaço que clama pela terceira via. A ser efetivada entre o socialismo e o cristianismo. De modo que não nego que possa haver uma terceira via. Mas entre socialismo e cristianismo. Se o socialismo não satisfaz totalmente não se busca a sua completeza em aspectos do capitalismo, que não vai acrescentar nada, mas no cristianismo. Pior ainda, se o capitalismo não satisfaz não se busca a sua correção no socialismo porque nada no socialismo corrige o capitalismo. Destarte, uma terceira via assim não subtrai a liberdade que há no socialismo, e não subtrai o desejo de ser para o próximo dos cristãos. Uma terceira via assim tem o poder de sepultar definitivamente o capitalismo e dar a vitória definitiva ao socialismo, porque agora ela produz uma soma, entre os condicionamentos de um Estado socialista e os condicionamentos da fé cristã, que são idênticos, para o próximo. Em uma palavra, a essência da liberdade no capitalismo é ser para si, ao passo que no socialismo, se para outrem. E uma liberdade assim, para outrem, é também para si; no entanto uma liberdade para si não necessariamente é para outrem. E se não é para outrem não necessariamente é para si, como acontece nas revoluções com as suas expropriações.
E o que você falou acima, de que talvez para Adamir Gerson o socialismo não se reduz só ao materialismo, mas em última instância é uma construção espiritual, ora, para que isto venha ser uma realidade, um socialismo assim que satisfaz as necessidades do estômago e as do coração, volto a dizer é na junção do socialismo com o cristianismo que um socialismo assim, completamente espiritualizado, começa a se manifestar. Completamente despotencializado do pecado original, toda a sua tendência é para o bem, para servir.
Como diz a Palavra de Deus: E se eu der todos os meus bens para alimentar os outros, e se eu entregar o meu corpo, para jactar-me, mas não tiver amor, de nada me aproveita. É isso. Mesmo que se consiga um capitalismo que seja distributivo de renda, que não deixa faltar o necessário ao trabalhador, mesmo assim de nada adianta. Porque as relações entre seres humanos continuam se dando numa relação de dependência e exploração. Nem o trabalhador e nem o proprietário foram emancipados. A dependência e a exploração só deixam de existir no momento em que o sistema capitalista deixa de funcionar e o seu lugar é ocupado pelo sistema socialista.

Lúcio Junior Espírito Santo. Isto que você explanou, de que o socialismo não se reduz só ao material, mas o transcende, sendo também uma construção espiritual, isto não abre caminho para uma compreensão exata da queda do socialismo? Afinal o material não pode ter sido a causa da insatisfação das massas porque no socialismo ninguém tinha fome, ninguém dormia na rua, ninguém tinha falta de vestimenta ou falta de saúde ou de escola.

Adamir Gerson. O socialismo deve ser compreendido como um projeto em construção. Num primeiro momento ele se destina à satisfação das necessidades materiais, mas num segundo momento, à satisfação das necessidades espirituais. É neste momento que se compreende a suma importância e necessidade do Cristianismo.

Lúcio Junior Espírito Santo. Mas, de um modo inverso, o socialismo é também de suma importância e necessidade ao cristianismo. Afinal, se o comunismo caiu também caiu o cristianismo. E nas suas explanações se entende claro que para um se levantar tem de se apoiar no ombro do outro. Não é isto?

Adamir Gerson. Sim, um sustenta e complementa o outro. E você lembrou muito bem que não apenas o socialismo, mas também o cristianismo conheceu a queda. E definitivamente, um não se levanta sem o outro. E os dois um apoiado no ombro do outro seguramente cumpre o vaticínio que está no livro do Profeta Miquéias, como segue: E sentar-se-ão, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira; e não haverá quem os faça tremer. Miquéias 4.4.

Lúcio Junior Espírito Santo. O profeta Miquéias lança mão do simbolismo da videira e da figueira, interpretados por ti como uma sendo o cristianismo e o outro o socialismo. Lançando mão de outro simbolismo da natureza, ora, você disse que o socialismo se acha em construção, que o materialismo não o esgota, mas ele se expande ao espiritualismo, ora, podemos fazer uma comparação com a lagarta, de que o socialismo enquanto no patamar do materialismo é esta lagarta, e quando ele se expande para o espiritualismo é, então, esta lagarta que se transformou em borboleta?

Adamir Gerson. Lembrando que a passagem da lagarta para borboleta tem o elo de transição da crisálida. E posso dizer que a Escola de Frankfurt, clamando por abertura do marxismo para a transcendência e religião, representa este exato momento em que o socialismo, teoricamente, se revelou como crisálida. E certamente que quando ele cruzar com o cristianismo é então borboleta.

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