Leonardo
Boff e o Concílio Vaticano II
É preciso compreender com
mais profundidade as críticas que acima Adamir Gerson endereçou a Leonardo Boff.
É possível que, ficou a muitos a impressão que se pretendeu golpear um ícone do
pensamento brasileiro e mundial. Não é nada disto. É que Leonardo Boff se acha
preso a limites, como se achou seu irmão, e é preciso expô-lo, como necessidade
do pensamento teologal, não só da Teologia da Libertação, mas de todo o
cristianismo, dar um salto de qualidade. Romper limitações epistemológicas sem o qual a libertação não vem, pois, deveras, as forças do capitalismo globalizado conseguiram agregar ao seu lado um leque de forças muito grande e diversificado, e para se lhe opor, fazer frente a ele, é preciso uma força que seja, pois, ainda mais forte, tendo também o poder da agregação de forças diversas. De agregar as diferentes forças do Reino dispersas pelo mundo do catolicismo, pelo mundo do protestantismo e pelo mundo do socialismo. E isto é missão do socialismo celestial.
Ora, é sabido que o Concílio
Vaticano II, contrariando Papas anteriores, teve uma visão um tanto diferente
do marxismo. Sensível ao sofrimento que tomava conta das nações em
desenvolvimento e de todo o seu povo, o Concílio Vaticano II viu a necessidade
do socialismo como contraponto ao capitalismo. Como condição mesmo do
desenvolvimento, não só nacional como social. Economizando palavras, a verdade
é que o Concílio Vaticano II abriu as portas da Igreja para o marxismo.
Mas, consciente das
implicações, dado a natureza do próprio Marxismo, a verdade é que ele cuidou em
filtrá-lo, pondo dum lado a sua filosofia e de outro todo o seu instrumental de
análise social. E conservou o seu instrumental de análise social e em larga
medida de História como válidos e necessários para a criação de um novo homem,
mas trocou a sua filosofia pela filosofia cristã. Foi assim que nasceu e ganhou
corpo a Teologia da Libertação, uma mescla de cristianismo com marxismo.
Porque estamos na iminência
de grandes mudanças ao nível do pensamento, que alcançará não só o povo
cristão, mas, também, o povo marxista, é preciso um esclarecimento: em virtude
mesmo da conservação do instrumental de análise social do Marxismo, a verdade é
que jamais a Teologia da Libertação foi depositária da filosofia cristã, senão
que da filosofia judaica. Na Teologia da Libertação o Êxodo foi muito mais
presente e muito mais marcante do que a Cruz. O Êxodo foi impiedoso com Faraó,
mas a Cruz foi compreensiva, e porque foi compreensiva foi benevolente com o
pecador, tendo vindo para que todos tivessem vida e vida em abundância. A Cruz
não tomou lado dos contrários em presença, mas transcendeu-os, com o objetivo
de salvar a todos. De modo que o seu
léxico não foi a destruição, mas a transformação. É verdade, Moisés olhou para
o Egito e viu o mal que Faraó fazia ao povo de Deus, mas Jesus olhou para a
terra e viu que todos estavam destituídos da glória de Deus, mas carregava em
potência a possibilidade de tê-la, pois, deveras, o domínio da Serpente
Original haveria de ser transitório. Propedêutico, bem de acordo a assertiva de
Santo Agostinho segundo a qual o Mal existe para fazer o bem aparecer. Tendo
aparecido, não há mais lugar para ele.
A verdade é que Leonardo
Boff é um fruto legítimo do Concílio Vaticano II. O seu pensar reflete o
Concílio Vaticano II. E o Concílio Vaticano II iria chegar um momento em que
seu botão iria abrir na mais linda das flores, a flor pura do Reino de Deus. E
neste momento não só a filosofia judaica iria se converter realmente em
filosofia cristã, como também todo o instrumental de análise social E DE
HISTÓRIA iria ser o do Cristo da cruz. A Comuna Primitiva, como ponto de
partida do devir histórico-dialético e de compreensão das razões subjacentes à
opressão, iria ceder o lugar para o Jardim do Éden, com Adão e Eva emergindo
como protótipos dos contrários, que, com o pecado original, se alienou de si
mesmo, perdendo a relação amorosa, mas vencido a resistência do devir
histórico-dialético, então iriam novamente reatar a primeva relação, agora
novamente termos complementares. E já sem o perigo da queda.
Sendo assim, o Concílio
Vaticano II deva ser visto e entendido não como Jesus, mas como João Batista.
Veio preparar o caminho e as condições para irromper do Cristo da cruz, que na
sua manifestação iria inundar os seres cristãos e marxistas de toda a sua seiva
libertadora.
Ora, é comum ouvir-se que o
Concílio Vaticano II foi manifestação pentecostal de Deus. E isto é verdadeiro.
Todavia o que poucos sabem é que este pentecostes que foi derramado na terra na
primeira metade da década de sessenta do século passado era na verdade já uma
segunda manifestação pentecostal de Deus. Nesta, como seu fruto, Deus fizera
brotar a libertação material dos pobres e de todos que sentissem a sua
necessidade. Mas, como os pobres além da opressão material sofria na carne
também a opressão espiritual, a verdade é que antes do Concílio Vaticano II
Deus obrara também outro pentecostes, e este portando a libertação espiritual
dos pobres e de todos que dela precisasse. Estamos falando do ocorrido nos
Estados Unidos no ano de 1906, e que engendrou o moderno movimento pentecostal.
Como o que engendrou o moderno movimento pentecostal e o que engendrou a
Teologia da Libertação são como carne e unha, tese e antítese, as mentes
clarividentes devem ficar atentas, porque a qualquer momento Deus consuma sua
obra pentecostal, enviando um terceiro e grandíssimo pentecostes na terra,
sintético, em que a libertação espiritual e a libertação material se
manifestarão num só feixe de ação, pondo fim às concupiscências da carne e às
concupiscências do dinheiro. A santidade será plena, não somente no plano
material, como tem alcançado os marxistas e a Teologia da Libertação, mas
também no plano espiritual, como tem alcançado os evangélicos e a Renovação
Carismática.
Ora, como o Concílio
Vaticano II claramente foi um elo de transição, o que explica o seu fruto
legítimo, a Teologia da Libertação, ser portadora muito mais da religiosidade
judaica que da cristã, muito mais do instrumental de análise social do Marxismo
do que do cristão, o que importa saber é para onde tendia essa tendência.
Simplesmente que a revolução entrara em processo de metamorfose, do judeu Marx
ela iria se levantar no judeu Paulo! No judeu Paulo ela daria um giro de 180
graus, pois que Paulo é a outra face de Marx, a igualdade espiritual é o outro
lado da igualdade material, mas no Filho do homem ela daria um giro de 360
graus, pois que Filho de Deus e Filho do homem são os dois querubins que Deus
mandou Moisés assentar em cima da tampa da Arca do Pacto. Novo Adão e Novo
Davi, sendo missão do Novo Davi guiar a todos para o Novo Adão, para que o
rosto do Novo Adão, progressivamente, vai se manifestando e dando forma a todos os
rostos. É o Paraíso redivivo, a Nova Jerusalém que do céu desceu à terra, como
noiva adornada para o seu marido. Eis que a tenda de Deus está com a
humanidade, e ele residirá com eles e eles serão os seus povos. E o próprio
Deus estará com eles. E enxugará dos seus olhos toda lágrima, e não haverá mais
morte, nem haverá mais pranto, nem clamor, nem dor. As coisas anteriores já
passaram. Ap.21.
Mudanças profundas então
iriam ocorrer. O socialismo iria ser construído não mais no modo tradicional,
destruição pura e simples do capitalismo levado a cabo por uma vanguarda que se
assenhoreou do poder do Estado, mas através da transformação espiritual dos
indivíduos que compõem a sociedade. Cada
indivíduo iria se acordar para o amor ao próximo, o desejo ardente da
cooperação iria tomar conta de muitos corações, e, por conseguinte, iria haver
uma indisposição popular muito forte contra o capitalismo, cada vez mais sendo
objeto de desprezo, se livrando dele por mudar progressivamente as leis que lhe
dão sustentação.
Essa transformação de Marx
em Paulo iria trazer como resultado prático que a revolução iria despontar
justamente no movimento pentecostal. O socialismo, que todos tinham dado como
morto, de repente ressurge entre as grandes massas pentecostais, e destas
penetra na Renovação Carismática contagiando todo o povo católico.
Estamos diante de uma
completa negação da Teologia da Libertação e do próprio Leonardo Boff?
Certamente que sim, pois jamais conheceram o fenômeno pentecostal e o fenômeno
Renovação Carismática. Tiveram deles apenas uma visão positivista, superficial,
àquilo que se manifestava aos olhos.
Isto é, que o movimento
pentecostal fora criado e financiado por entidades americanas perversas para
combater o Marxismo e impedir que as massas fossem por ele ganhas. E que estas
mesmas entidades perversas americanas criaram e financiaram a Renovação
Carismática para que ela impedisse das massas católicas ser ganhas pela
Teologia da Libertação.
Como a visão positivista tem
lá as suas verdades não resta dúvida que tanto o movimento pentecostal como os
carismáticos foi realmente freio tanto ao marxismo na América Latina como à
Teologia da Libertação no catolicismo. Surgiram como fortíssimos competidores.
Mas quando a visão metafísica chega ela vem como um trator passando por cima do positivismo. Primeiro, o que as forças perversas americanas fizeram foi oportunismo. Viram que quem não é contra nós pode ser por nós. Ou seja, que quanto mais crescessem os pentecostais e os carismáticos mais e mais perdiam forças a Teologia da Libertação e o Marxismo. Segundo, na verdade estavam implícitos, ocultos mesmo, tanto o Pentecostalismo na Revolução como a Renovação Carismática no Concílio Vaticano II. Estavam implícitos, ocultos mesmos, porque tanto a Revolução como o Concílio Vaticano II foram Deus, e em Deus o par Pentecostalismo-Marxismo e o par, Renovação Carismática-Teologia da Libertação eram gêmeos no seu ventre. Literalmente protótipos dos irmãos gêmeos Jacó e Esaú.
Ora, não nos conta a boa
história que primeiro nasceu Esaú e depois, Jacó? Que no embate Jacó acabou se
apossando da primogenitura e da benção, mas o final entre eles, após período de
ódio mútuo, foi mesmo a reconciliação, com Esaú correndo ao encontro de Jacó e
lançando-se sobre seu pescoço e o beijando, com os dois irrompendo em pranto.
Não é isto que nos conta a boa história? Que então Jacó olhou na face de Esaú e
a viu como a face de Deus, e que Esaú recebeu a Jacó com prazer?
Se Esaú reuniu quatrocentos
homens disposto a aniquilar Jacó, o que de extraordinário aconteceu que fez com
que ele mudasse e o ódio pelo irmão cedesse lugar para o amor? Unicamente a
intervenção de Deus!
E Deus pode intervir hoje,
com os marxistas, indo ao encontro
dos pentecostais e a Teologia da Libertação indo
ao encontro da Renovação Carismática. E se lançar ao seu pescoço e o
beijar; e os dois se romperem em pranto.
Isto virá a ser uma
realidade? Certamente que sim, posto que Deus concebeu o movimento pentecostal,
não para estar a serviço do imperialismo,
visão positivista, mas para cobrir os campos da América Latina da transformação
espiritual. E quando estas flores estivessem brotando por todo o continente
latino-americano, tendo esgotado a sua primavera, então iria chegar o seu verão
e o seu outono. Em cada uma destas flores iria se manifestar o fruto material,
o socialismo, a princípio verde, mas na medida em que o verão fosse cedendo
lugar ao outono, então frutos maduros.
O que é isso? Novo
socialismo! Se o primeiro socialismo, por necessidade histórica, deitou vinho
novo em odres velhos (o que fez Lênin lançar a NEP foi que sentiu na carne que
tinha diante de si apenas odres velhos – já assinalado por Plekhanov), a
verdade é que este novo socialismo irá ser construído a partir de corações
transformados. O “sémem” da
materialidade socialista iria ser lançado sobre o “óvulo” amadurecido da
religiosidade cristã. Destarte, a força de sua sustentação iria ser o Evangelho
e não mais a Ditadura do Proletariado. O Evangelho, se engalfinhando com estas pedras
egoístas e que só pensa em ter riqueza e poder, iria suscitar a elas filhos a
Jesus Cristo. Verdadeiramente um novo socialismo, que terá a perenidade de
Daniel 2.44, não caindo jamais, e não passando jamais a outro domínio, como
aconteceu com o Primeiro Socialismo.
Leonardo Boff compreenderá
este novo tempo? Este novo chamado? Se Leonardo Boff foi obediente ao Pai
quando colocou diante de si as responsabilidades políticas e fez o Papado saber
que não era tão infalível assim, e foi obediente ao Pai quando colocou diante
de si as responsabilidades ecológicas forçando os homens a pensarem em um novo
modelo de desenvolvimento que fosse submetido aos limites da Terra, sim,
Leonardo Boff será mais uma vez obediente ao Pai quando Ele, por intermédio de
seu mensageiro, Adamir Gerson, quer colocar diante de si novas
responsabilidades, agora ser ponte de ligação entre os evangélicos e os
marxistas, entre as Cebs e a Renovação Carismática?
E quando chegar-se a eles
ter debaixo do braço essa resposta de Esaú a Jacó: Eu tenho muitíssimos, meu
irmão. Continue teu o que é teu (Gênesis 33.9).
O que é isso? Até aqui cada
qual quis destruir o outro achando que a completeza habitava unicamente em si.
Doravante compreenderão que são partes de um processo maior. Que se um é
portador da boa materialidade, o outro é portador da boa espiritualidade. Que
boa materialidade e boa espiritualidade se convergem. O que diverge é boa
materialidade (socialismo) e má materialidade (capitalismo-hedonismo); boa
espiritualidade (cristianismo) e má espiritualidade (paganismo-hedonismo).
É verdade, Leonardo Boff
procurará fazer todos entenderem que não se destrói a feminilidade da religião
cristã e não se destrói a masculinidade do socialismo, mas as duas instâncias
de vida foram feitas e preservadas pelo Criador para a realização do casamento
de seu Filho Jesus, para a realização do casamento dos casamentos, o Casamento
do Cordeiro.
É tempo, pois, de novo tempo.
O fruto verde do Reino, o Marxismo, na luta revolucionária que expôs todas as
suas vicissitudes e contradições, amadureceu, saindo do seu estado verde para o
seu estado de vez, a Escola de Frankfurt. E tem chegado o tempo de se
manifestar completamente maduro, apto para o consumo de toda a sociedade. O
tempo em que o judeu Marx se converte totalmente no judeu Jesus. Novamente o
milagre da ressurreição.
Tem chegado, pois, o tempo
da colheita: Acudi e vinde, todas as nações ao redor, e reuni-vos, Àquele lugar
faze baixar os teus poderosos, ó Javé. Despertem as nações e subam à baixada de
Jeosafá, pois ali me assentarei para julgar todas as nações ao redor. Metei a
foicinha, porque a colheita ficou madura. Vinde, descei, porque o lagar de
vinho ficou cheio. Os tanques de lagar estão realmente transbordando; porque se
tornou abundante a sua maldade. Massas de gente, massas de gente estão na
baixada da decisão, porque está próximo o dia de Javé na baixada da decisão
(...) E eu vi, e eis uma nuvem branca, e sobre a nuvem sentado alguém
semelhante a um filho de homem, com uma coroa de ouro na cabeça e uma foice
afiada na mão. E do santuário do templo emergiu outro anjo, gritando com voz
alta para o sentado na nuvem: Mete a tua foice e ceifa, pois chegou a hora para
ceifar, porque a colheita da terra está inteiramente madura. E o sentado na
nuvem meteu a sua foice na terra e a terra foi ceifada. Joel 3.11-14;Apocalipse
14.14-16. Ora vem Senhor Jesus e realiza a sua obra, fazendo com todos – novas
criaturas – e todos passando a viver debaixo da novidade de vida das boas novas
de eternas. Cumpre, ó Senhor, o vaticínio que pusestes na boca do profeta
Miquéias, que viu na introdução do reino de Deus sobre a terra, todos sentados
debaixo de sua videira e debaixo da sua figueira; e não havendo quem os
fizessem tremer, 4.4.
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